A busca do desenvolvimento sustentável representa um dos maiores desafios para a humanidade e, em especial, para o Brasil. Ao longo de séculos, o modelo de desenvolvimento no país tem evoluído do extrativismo e da agricultura de subsistência para uma exploração agroindustrial intensa, com a aplicação de tecnologias modernas e, em muitos casos, com ocupação e utilização desordenada dos recursos do ambiente, o que coloca em risco a nossa rica base de recursos naturais.
Os recursos-chaves para a produção de alimentos (sementes, solo, matéria orgânica, água etc.) são renováveis, o que deveria permitir que a agricultura fosse uma atividade altamente sustentável. No entanto, a agricultura moderna tem características que mais a aproximam de uma indústria extrativa, o que tende a torná-la não-sustentável. Adicionalmente, a atividade agrícola pode envolver custos não-ambientais, como impactos para os trabalhadores, para as comunidades, as regiões e os consumidores, em diferentes graus, de acordo com a atividade.
No futuro o Brasil continuará a conviver com a necessidade de produzir volumes crescentes de alimentos e matérias-primas e de gerar superávits econômicos que aumentem a nossa capacidade de investimentos. Não há dúvidas de que o agronegócio brasileiro se definirá, cada vez mais, pela capacidade do país incorporar, de forma contínua, inovações tecnológicas que permitam atender às crescentes demandas do mercado interno e desafiar os subsídios dos competidores e a tendência histórica de preços decrescentes no mercado internacional de produtos agrícolas. Em futuro próximo, as inovações demandadas à pesquisa agropecuária terão que propiciar a incorporação de avanços em produtividade, segurança e qualidade, com uma velocidade comparável ou superior à velocidade de avanço tecnológico dos nossos competidores.
Ademais, é provável que uma avaliação cuidadosa da economicidade dos sistemas de produção nos países em desenvolvimento venha mostrar que os insumos ambientais, isto é, os recursos naturais (água, solo, biodiversidade, etc.) e os serviços ambientais (reciclagem de resíduos, suprimento de água, qualidade da atmosfera, etc.) utilizados na produção agrícola estejam sendo sub-remunerados. Para se garantir a sustentabilidade futura da atividade produtiva será, portanto, necessário que se invista em conhecimento científico e tecnológico que permita desenvolver sistemas de produção inovadores, voltados para o aumento da produtividade dos recursos naturais e serviços ambientais utilizados pelo agronegócio.
Modelos de reconversão deverão ser buscados, muitas vezes sustentados em soluções do próprio ambiente, que, aplicadas às atividades produtivas, as tornem menos agressivas. Em certa medida, a agricultura brasileira dá exemplos da possibilidade de se alcançar esse objetivo. A pesquisa em recursos genéticos e melhoramento vegetal tem contribuído significativamente para o desenvolvimento de sistemas produtivos ambientalmente mais adequados, agregando tolerância a estresses e eficiência no uso de nutrientes, viabilizando sistemas de cultivo conservacionistas. O manejo de culturas baseado no plantio direto é utilizado há décadas em milhões de hectares de lavouras brasileiras, com expressiva contribuição para a redução de erosão, a melhoria geral da qualidade do solo e a recarga do lençol freático.
A fixação biológica do nitrogênio, por meio da inoculação de bactérias, tem possibilitado a redução significativa da aplicação de fertilizantes químicos em culturas como a soja, com importante redução de impactos ambientais como, por exemplo, a contaminação de recursos hídricos. O controle biológico utilizado regularmente em diversas culturas, como soja, cana-de-açúcar, algodão e fruteiras também tem reduzido a demanda por controle químico de pragas e doenças em diversos sistemas de manejo, com impactos positivos para o meio ambiente, a qualidade de vida dos trabalhadores rurais e para a segurança e qualidade dos produtos.
A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e as diversas unidades da Embrapa e instituições parcerias que conduzem programas de pesquisa em recursos genéticos, desenvolvimento de cultivares, controle biológico de pragas, segurança biológica, etc., tiveram papel marcante nesses avanços ao longo das últimas três décadas.
Há, no entanto, que se considerar que, pela diversidade e complexidade da agricultura brasileira, esses avanços, embora muito relevantes, dificilmente bastarão para melhor posicionar a agricultura do futuro do ponto de vista da sustentabilidade. A grande pressão da agricultura sobre o meio ambiente indica que é preciso buscar um novo patamar de conhecimento, um novo paradigma científico e tecnológico, a fim de romper esses limites, em especial na região tropical do globo, onde estão os ambientes mais desafiadores para a agricultura, além das nações mais pobres.
Os sistemas de inovação para a agricultura terão, cada vez mais, que se referenciarem em aspectos que compreendam, além da visão utilitária da agricultura, como produtora de alimentos e matérias-primas essenciais para a sobrevivência e o progresso do homem, outras dimensões e valores. Em adição aos valores de natureza econômica, a sociedade exige que o processo de inovação incorpore, cada vez mais, valores de natureza cultural, valores do ambiente físico e do espaço geográfico, valores ecológicos, etc, aos seus modelos de priorização.
Ainda, é possível que a velocidade das mudanças globais tornem obsoletos os métodos convencionais de inovação agropecuária, como o melhoramento genético, o controle químico de pragas, etc, que tem sido, até aqui, os principais instrumentos de adaptação dos organismos utilizados na agropecuária. Nesse caso, novos métodos de adaptação terão que ser desenvolvidos. A busca e o domínio de funções biológicas que tenham impacto positivo em processos como regulação da composição química da atmosfera, regulação do clima, absorção e reciclagem de resíduos, suprimento de água, ciclo de nutrientes, polinização e controle biológico, entre outros, será mais intensa à medida que crescerem os impactos das atividades do homem sobre o meio físico, com a conseqüente redução na disponibilidade de recursos naturais. Neste cenário, espera-se que a combinação de estratégias da biotecnologia moderna com as estratégias tradicionais de inovação tecnológica para a agricultura, como o melhoramento genético, o controle biológico e outras, torne-se o caminho para a descoberta e a incorporação de soluções biológicas viabilizadoras de uma agricultura mais sustentável.
Fonte: Maurício Antônio Lopes é Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Foto: internet