Programa de Silêncio Urbano da prefeitura tem 28 agentes para percorrer toda a cidade.
Pouco antes da 1 da manhã do último domingo (3 de abril), um grupo de vinte pessoas — entre elas, seis guardas civis e dois policiais militares — reúne‑se na sede da subprefeitura de Pinheiros e acerta os detalhes da jornada que avançará madrugada adentro.
Planilha na mão, um agente do Programa de Silêncio Urbano (Psiu), órgão da prefeitura encarregado de fiscalizar a poluição sonora da metrópole, enumera quais estabelecimentos serão vistoriados nas horas seguintes.
O número que pipoca na tela está dentro do limite máximo, de 50 decibéis, permitido para aquela área e aquele horário. Ainda assim, o gerente é informado de que a casa será multada em 8 000 reais por manter portas abertas e mesas na rua depois de 1 hora, o que é proibido no município. “A legislação é a mesma para a cidade inteira, mas essa é uma região boêmia e deveria ser submetida a regras diferentes”, reclama um dos sócios, Edgard Bueno da Costa.
Cenas semelhantes a essa se tornaram mais frequentes nos últimos meses. Entre janeiro e março deste ano, o Psiu aplicou 188 multas a estabelecimentos da capital, seja por barulho excessivo, seja por funcionamento irregular. O total representa uma média de 63 autuações por mês no período, um crescimento de 35% em relação à média de 2015, que foi de 47.
Isso foi obtido principalmente com um incremento considerável no número de atendimentos realizados — aqui incluídos desdeblitze, como a ocorrida no Pirajá, até cartas de recomendação, orientações por telefone e e-mail ou reuniões com empresários. A média mensal até o momento, em 2016, é de 4 457, mais que o dobro de dois anos atrás. A movimentação intensa ocorreu mesmo diante da estabilidade no volume de reclamações de barulho excessivo recebidas pelo órgão, que se manteve na casa das 2 600 ao mês.
As regiões com a maior quantidade de registros do tipo são Pinheiros, Mooca, Sé, Ipiranga e Lapa. Juntas, essas cinco subprefeituras contabilizaram 11 864 queixas de moradores ao longo do ano passado, o que corresponde a um terço do total da cidade.
Criado em 1994, o Psiu é vinculado à Secretaria de Coordenação de Subprefeituras, e seu quartel-general está instalado no 35º andar de um prédio na Rua Líbero Badaró, no centro, onde trabalham cinquenta funcionários. Além de conferir asituação de bares, restaurantes e outros negócios, o órgão combate os chamados “pancadões”, baladas informais realizadas durante a madrugada no meio da rua em bairros da periferia — na última semana, a equipe acabou com a festa de um deles, no Jardim Bonfiglioli, na Zona Oeste.
O aumento da eficácia remonta ao fim do ano passado e coincide com a chegada do diretor Luiz Carlos Smith Pepe. Com um número insuficiente de fiscais para controlar uma metrópole como São Paulo, ele resolveu centralizar as operações. Assim, em vez de espalhar seus 28 agentes e vinte viaturas pelas 32 subprefeituras, decidiu realizar menos saídas de campo, mas com força concentrada.
“Mapeamos as regiões com uma quantidade maior de reclamações e implantamos uma política de saturação nesses locais, com presença constante”, explica Pepe. “A Vila Madalena e a Rua Augusta começam a sentir os efeitos dessa prática, e, por isso, verificamos a queda no número de queixas.” O cerco ao barulho e às mesas espalhadas na calçada rendeu a Pepe o apelido de “xerife”, além de cinco ameaças de morte, a última ocorrida há dez dias.
“Ligaram aqui para o escritório e falaram que iam me assassinar. A telefonista entrou em pânico”, lembra ele, que deve procurar a polícia nos próximos dias para registrar a ocorrência. Para evitar problemas assim, desde janeiro os corredores do órgão são vigiados por um segurança armado. Não é só o chefão que enfrenta situações desagradáveis no exercício do cargo. É comum presenciar a turma da linha de frente sendo intimidada por proprietários descontentes.
“Já levei pedrada, garrafada e sofri tentativa de agressão por parte de um dono de bar”, diz o agente Leandro Fonseca Campos, no Psiu desde 1994. A exemplo de outros colegas, ele passou a utilizar colete à prova de balas nas operações. “Mesmo assim, há locais onde não entro nem acompanhado pela Polícia Militar, como as favelas de Paraisópolis e Heliópolis, além do Jardim Pantanal”, diz Campos.
Outra reclamação recorrente é ser indiretamente atingido durante ações da PM. “Eu me acostumei a inalar o gás de pimenta disparado pelos soldados nos pancadões”, afirma Flávio Gagliardi, com treze anos de carreira. Entre todos os estabelecimentos da cidade, nenhum teve mais encrencas com o Psiu do que o bar Copo a Copo, localizado na esquina das ruas Cardeal Arcoverde e Mourato Coelho, em Pinheiros.
Nos últimos dez anos, ele foi lacrado nada menos que catorze vezes devido a problemas com barulho. “Estou regularizada desde o começo deste ano”, garante a proprietária, Ruth de Carvalho, que agora não deixa que os clientes se estendam na calçada por toda a madrugada. “Quando dá 1 hora, ponho todo mundo para dentro e fecho a porta de vidro”, completa.
Há casos de donos de bares e casas noturnas que se aproximam do Psiu depois das autuações. “Esquecemos uma porta aberta e o som vazou”, conforma-se Milena Malzoni, proprietária do The Sailor Legendary Pub, na Avenida Brigadeiro Faria Lima. Multada no domingo (3), ela foi recebida pelo diretor do Psiu no dia seguinte para obter orientações sobre procedimentos.
“Eu sei que estava errada, a lei é clara e deve ser cumprida”, reconhece. Nem sempre, no entanto, a relação entre os comerciantes e a administração pública é tão amistosa e civilizada. “Os agentes foram extremamente mal-educados durante a fiscalização, e ainda relataram no processo que eu os desacatei”, reclama Fernando Tubarão, dono do bar Puxadinho da Praça, na Rua Belmiro Braga, na Vila Madalena, lacrado em novembro. “Isso sem considerar que a casa estava em ordem.” A direção do Psiu desmente o comerciante, e diz que havia provas de irregularidades no endereço.
Empresários do setor também reclamam da dificuldade de manter os negócios no mesmo formato, dado o crescimento desenfreado da metrópole. “O proprietário arruma um ponto distante, realiza as suas obras de adequação e, tempos depois, surge um prédio residencial de vinte andares bem do lado. É claro que vai haver queixa”, diz o presidente da seção paulistana da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-SP), Percival Maricato.
O aumento recente no número de operações e de autuações é sentido pelos moradores dos bairros mais problemáticos. “Melhorou muito nos últimos tempos”, diz o professor de português Mário de Almeida Rodrigues Filho, há doze anos na Vila Madalena.
Há, no entanto, o medo de que boa parte dessa conquista seja perdida daqui para a frente. O Psiu está passando neste momento por uma mudança substancial em sua forma de atuação, provocada por uma alteração no estatuto do município. Desde a última semana, com a aprovação da nova Lei de Zoneamento, o valor da multa aplicada aos estabelecimentos caiu 80%. Para o caso, por exemplo, de o local extrapolar o horário-limite de 1 hora, a pena foi de 43 000 para 8 000 reais.
Em situações de reincidência, esse montante dobrará para 16 000 e, em seguida, para 24 000 reais. Apenas a terceira infração fará com que o lugar seja lacrado — até então, isso poderia ocorrer já no segundo flagrante. Sobre ruído excessivo, a sanção — que variava de acordo com o tamanho da casa e podia chegar a 36 000 reais — foi fixada em 10 000 reais. De acordo com o diretor do Psiu, nada muda na fiscalização com as novas regras. “Não queremos uma indústria de multas”, diz. “A ação do órgão é de caráter educativo.”
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Fonte: Veja Sao Paulo